Há pessoas que nos morrem mas que nunca morrem em nós - morreu-me alguém a quem os laços de sangue nunca uniram mas que os afetos compensaram; considerava-me a neta mais velha. E, quatro anos após a morte dele, ainda sinto que me morreu um avô.
A morte nunca nos há de parecer justa quando ceifa a vida dos que amamos e eu não soube despedir-me dele - quis acreditar, até ao fim, que haveria uma próxima vez, uma nova visita, uma última oportunidade que se estenderia eternamente. Mas, um dia, não houve mais dia nenhum. Não houve mais visita nenhuma. Não houve mais vida por trás daqueles olhos azuis que ensinaram os meus a olhar o mundo.
Tenho saudades dele; lembro-me da gargalhada, da cabeça calva, do olhar risonho, mas esqueci-me da voz. Esqueci-me da voz que me contou histórias em menina, nessa menina que eu queria ser para sempre só para o ouvir mais uma vez. Esqueci-me até da voz trémula que, já no hospital, já nos últimos dias e numa altura em que ele mal tinha força para falar e raramente reconhecia alguém, me recontou, pela milionésima vez, uma das minhas tropelias de pequenina. E eu ri-me de lágrimas nos olhos - creio que, parte de mim, sabia que era a última vez que o ouviria dizê-lo, mas a outra parte recusava-se a aceitá-lo.
E saí do hospital, nesse dia, sem saber que seria a última vez que o veria com vida. Sem saber que me deveria ter despedido melhor, que devia ter garantido que ele sabia o quanto eu gostava dele - mas não o fiz. Por mais voltas que dê, não consigo relembrar-me do que lhe disse. Resta-me a certeza de que ele soube despedir-se de mim e que me guardou no coração até ao fim. Mas isso não chega para acalentar uma ausência de quatro anos. Não chegará nunca.
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