sábado, 11 de abril de 2015

unholy confessions

[há dias em que eu desejo ver-te sair de um comboio. nunca te disse mas a estação é um dos meus sítios preferidos - sou apaixonada pelo som das malas arrastadas pela gare, pelas despedidas à última hora, pela lágrima no canto do olho ou pelo sorriso rasgado. outras vezes é ao contrário; chegam e têm alguém à espera, namorado, amigo, família, tanto faz. deve ser bom ter alguém para nos receber de braços abertos. eu já soube como é, mas às vezes esqueço-me; queria ver-te a sair de um comboio e correr para ti para te abraçar. mas os comboios vão e vêm sem que nenhum te traga e eu fico aqui, sentada no banco de madeira, numa estação que me está carregada de recordações e de pessoas que eu levo comigo para todos os lugares. há dias em que eu desisto um bocadinho. deixei de tentar remar contra a maré e isso cansa-me ainda mais; há dias em que o descontentamento não cabe em mim e eu preciso de fugir. tinha dito a mim mesma que não sou nem nunca hei de ser o cais, mas sê-lo-ei sempre enquanto gostar de ti - fico à espera que venhas e a rezar para que nunca mais voltes a ir embora. mas vais. e então eu espero por ti. e recomeçamos. mas hoje não. hoje não vou a lado nenhum. tenho o cabelo desgrenhado e os pés descalços mas sempre foi assim que eu gostei mais de estar; é desconcertada que eu me acerto, sabes que sou pouco pelas normas e pelas convenções, e já não sei ser outra senão essa de cabelo vermelho e unhas pretas de verniz lascado. tem dias que me fujo, tem dias que me disfarço, mas volto sempre a este ponto, volto sempre a mim mesma. e sei que não gostas desse lado, mas paciência - é o que se arranja. um dia destes eu deixo de ser isto. um dia eu ainda hei de ser alguém. ou então não, mas não faz mal. gosto da calma de ser ninguém. há dias em que me apetece ir embora de vez e dias em que nos sinto por um fio - têm-me doído mas já desisti de falar também. conheço de cor as tuas respostas mas conheço ainda melhor a falta de cor dos dias em que não estás aí. eu ia-me embora se não me fizesses tanta falta, mas fazes. e eu gosto de ti mesmo nesses dias em que não gosto, em que quero fugir. e então volto ao meu banco de madeira e espero até ao último minuto. enquanto não chegas, eu vou sonhando. até que chegues ou até que eu me canse de sonhar.]

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