domingo, 26 de abril de 2015

sobre as gentes

Lembro-me de uma altura da minha vida em que me perguntava muitas vezes a quem faria falta, ou sequer se faria falta, se morresse. E a resposta era triste porque eu não conseguia, e continuo a não conseguir, imaginar alguém, que não parentes diretos, a lamentar a minha morte durante mais do que um par de minutos. Não existiriam muitas pessoas a sentir a minha falta e isso dá-me aquela ideia de que tenho uma vida desperdiçada.

Voltei a pensar nisto recentemente. Não que esteja a pensar em quinar, que não estou, mas porque acho que é um bom exercício para arranjarmos os mais diversos motivos de suicídio; se nada mais me correr bem na vida, posso orgulhar-me de não ter espetado nada na carótida numa altura em que, claramente, a minha vida não valia lá grande coisa. E mais ainda se essa altura tiver durado a minha vida toda.

Há uns meses, alguém me disse que eu me achava demasiado importante para estar ao alcance dos comuns mortais (não, nunca me esqueço de nada.) - fiquei furiosa na altura mas agora acho que lamento não pensar mesmo assim. Lamento não me achar superior e continuar a entregar-me de corpo e alma a quem não merecia sequer que eu lhe lançasse um olhar de soslaio. 

Demorei, mas apercebi-me, finalmente, de que sou mais do que aquilo que muita gente merece, e que é isso que faz de mim alguém tão solitário; não sou mais do que ninguém, mas tenho a estranha mania de ficar lá para toda a gente. De não atraiçoar as pessoas de quem gosto. De ficar acordada a noite toda, se preciso for, por alguém que não adiaria, sequer por cinco minutos, a hora de deitar só porque eu precisava de falar. Tenho a mania irritante de tentar ajudar, de ir desencantar palavras de conforto ali ao fundo, ao fundinho, do coração, para pessoas que nem se dão ao trabalho de responder decentemente quando sou eu que preciso de colo. Tenho esse vício estúpido de viver os males dos outros, de sofrer por e com eles. De dar importância a muito poucas pessoas mas, ainda assim, entregar-me por inteiro a essas poucas. 

Não sou superior a ninguém, continuo a dizê-lo, mas também não sou inferior, como levei uma vida inteira a perceber. E não devia oferecer a mão inteira a quem não me estenderia sequer um dedo, enquanto me fazem sentir culpada por não merecer mais. Vão-se foder: ainda merecia mais do que eles, porque estou lá. Se for preciso, adio-me, deixo tudo para depois, mas estou lá quando precisam de mim e admito que me acusem de tudo e mais alguma coisa, menos de falsa e má amiga. No dia em que eu passar realmente a sê-lo, pode ser que me sintam a falta. E talvez já seja tarde demais.

Apercebi-me de que a amizade não é menos do que o amor - também é preciso ser reconquistada antes que caia o último grão de areia e, se por um lado há amizades porque vale virar a ampulheta ao contrário vezes sem conta, há outras que dão vontade de a agitar e deixar a areia cair o mais depressa possível, para o nosso próprio bem.

Sem comentários: