quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

escola para corações

Não é raro dar por mim a observar casais de velhinhos e a perguntar-me de que massa é feita um amor assim: enternece-me ver um par de cabeleiras brancas, duas mãos engelhadas enlaçadas e os passos, mais ou menos curtos, dados lado a lado, como dois artistas premiados que caminham em direção ao óscar: conseguimos aguentar. Até que a morte nos separe.

Invejo essas histórias, talvez: os casamentos de hoje já não são feitos para durar 50 ou 60 anos. O amor caiu em desuso e os amores para sempre são um mito: os corações são mais bem educados do que os próprios filhos, estão prontos para aniquilar o parceiro à mínima falha, e cada relação não é mais do que a transição entre a anterior e a seguinte. O amor não dura porque as pessoas não estão para se chatear e desistem umas das outras porque dá menos trabalho do que lutar.

Não há amores perfeitos: mesmo esses, os que duram, tiveram de se manter firmes quando a terra por baixo dos pés estremeceu. É impossível que se tenham entendido à primeira. É impossível que, mesmo ao fim de 60 anos de casados, não se desentendam de vez em quando – mas não se amam menos por isso. É o que nos falta, a todos nós: a capacidade de aceitar que não vamos concordar com tudo o que o outro faz, e não há mal nenhum nisso. Faz parte.

Vivemos descontentes, sempre com sede de mais. Queremos gente perfeita, que ande ao nosso ritmo, que ouça a mesma música, que pense de igual forma, que goste tanto de bacalhau com natas quanto nós. Treinamo-nos para gostar de quem nos preenche todas as medidas, de quem consegue satisfazer todas as nossas exigências. E, quando conseguimos, aumentamos a lista e partimos para outra.

Podemos estar loucos de amor por um homem que sabe fazer massa como ninguém, mas um dia acordamos e percebemos que isso não chega: queremos um homem capaz de fazer massa como ninguém e o melhor arroz do mundo. Ficamos descontentes, achamos que merecemos mais do que um inútil que sabe fazer massa mas não percebe nada de arroz – deitamos tudo a perder e partimos para outra.

Se algum dia encontrarmos o expert em massa e arroz, vamos lembrar-nos de que nos faltam batatas e ninguém pode viver só de massa e arroz: passamos a vida toda à espera de um poiso certo, saltitamos de um lugar para outro, destruímos os nossos sítios felizes e ensaiamos uma infelicidade baseada no descontentamento injusto dos que acham que o mundo tem de se render a seus pés. Não tem. A sério.
No que toca a sentimentos faz-nos falta o descontrolo. O gostar só porque se gosta, como se gosta. Porque sim – e gostar muito, apesar de não nos conseguirmos entender com a quantidade de sal na sopa, apesar dele não gostar da roupa que eu uso, apesar de me enervar que chegue a casa tão tarde. Gostar aceitando que se pode gostar muito sem se gostar de tudo – talvez seja esse o princípio para que não se antecipe o fim.

E este texto poderia ser para uma pessoa em especial, mas não é – é para todos, incluindo para mim mesma, como nota futura: exigimos demasiado até daquilo que nos faz felizes porque acreditamos sempre que poderíamos ser muito mais. O mal está em racionalizar, em comparar, em misturar razão com emoção, em pesar prós e contras, em quantificar o inquantificável: deixem-se de merdas e sejam felizes.

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