- não te vás embora, fica comigo!
[abracei-te com mais força enquanto o som ensurdecedor do comboio me gritava que tinhas de ir. talvez tenha sido a despedida que mais me pesou: naquele dia, não queria mesmo que fosses. queria que tivesses ficado comigo, que tivéssemos colado, um por um, os vidros estilhaçados do que fomos.
tínhamos discutido na noite anterior: eu estava desconfiada, magoada, e uma parte de mim queria sair da tua vida o quanto antes - a outra não porque te tinha prometido que nunca desistia de nada à primeira. a nossa história era um gato numa caixa fechada: para saber se estava vivo ou morto eu teria de a abrir, antes que acabasse por desistir de um gato vivo por me convencer, à partida, de que estava morto.
estava muito mais dividida do que possas pensar. aquele meu lado que jurava a pés juntos não te querer ver mais também chorava porque não te veria mais. e, no final das contas, eu sabia que não se gostava em linha reta, que, aliás, nada nesta vida acontecia em linha reta. esta era a nossa curva: podíamos fazê-la, calmamente, juntos, ou despistarmo-nos.
disse que não ia ter contigo mais para ganhar tempo do que outra coisa, e disse que podias vir ter comigo só para não dar parte fraca - estava mortinha para te ver. esse era, sem dúvida, o ponto alto da minha semana, embora não tenha acreditado que viesses.
mas vieste.
e, quando te vi, a mágoa continuava lá, a confiança melindrada não sarou de repente, mas o sentimento estava de tal modo intacto que eu não encontrei qualquer razão para desistir de ti. eu queria-te na minha vida por tanto tempo quanto conseguíssemos esticar um para sempre feito à nossa medida.
estar ao teu lado recompunha o meu mundo. a cada passo dado, eu tinha mais certeza de que perder-te seria uma estupidez - não és perfeito, não foste feito à medida dos meus ideais, nem és um pedaço de barro moldável a gosto mas eu sabia que conseguiríamos acertar o passo e fazer-nos possíveis. ou achava que sim.
quando me puxaste para ti, não consegui conter as lágrimas. não me perguntes se chorei de mágoa pelo que tinha acontecido ou de alívio por sentir o teu corpo contra o meu. talvez tenha sido uma junção de ambos como o prenúncio de um recomeço difícil mas que, ainda assim, era um recomeço. e estava bem. tão bem.
estranhei a ausência de beijinhos aleatórios, estranhei a frieza - mas confiei em ti, mais uma vez. acreditei quando me disseste que estava tudo bem. inocentemente, achei que não havia por que não recuperares dos estragos se eu estava disposta a isso.
demorei a descobrir que tinhas desistido de mim. demorei a perceber que, afinal, não te servia mas que te esqueceste de me avisar. que, afinal, o que sentias não era assim tão forte - e desta mágoa eu não recupero com um abraço e com um vamos lá ser amigos.]
- não posso, respondeste. tenho mesmo de ir.
e foste.foi a última vez que te vi.
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