O mais difícil é sempre a noite - o silêncio que impera num mundo pintado do negro do céu servem-me de metáfora perfeita para o que sinto neste momento. Sento-me na varanda: o vento despenteia-me o cabelo, o chão frio gela-me o corpo, e o coração abranda como se já nem valesse a pena cansar-se mais. É inútil.
As saudades sabem bem quando se sabe que serão encerradas com um reencontro cheio daquilo que falta nos períodos de ausência: calor. Quando não há esperança de reencontro nem de dias melhores, tornam-se corrosivas e matam, lentamente, pedacinhos de nós que não poderemos recuperar porque são parte de um passado recente, do qual ainda não estamos dispostos a abrir mão. Sinto a tua falta todos os dias - e todos os dias me questiono se sentirás a minha também.
Tenho saudades dos pormenores: lembras-te quando não podíamos falar nas videochamadas e escrevíamos num caderno? Faz-me falta isso. Faz-me falta ver o teu ar concentrado a escrever o que não eras capaz de dizer em voz alta. Fazem-me falta os sorrisos embaraçados, as perguntas aleatórias, os pequenos nadas que nos transformaram. Faz-me falta a tua cara de sono e o teu beijinho antes de ires dormir. Mas acabou. Tudo isto - e não consigo deixar de me questionar se isso te causa tanta dor quanto a mim. Também não consigo deixar de dar resposta à minha própria pergunta - se doesse, não estaríamos aqui.
Não temos salvação possível: somos duas rochas duras que não se dispõem a ceder. Nenhum de nós, nem eu nem tu. Nenhum. E hoje, a única coisa a manter-me acordada deveria ser a ansiedade de te abraçar amanhã. Deveria ser a vontade de me perder no teu abraço, de perder a noção do tempo fora do mundo que éramos. Deveria ser, enfim, esse laivo de alegria que me permitiste durante este tempo, a não me deixar adormecer - não isto. Não assim.
Quem me dera voltar ao início - tive medo, sim. Foste um acidente na minha vida; eu, que nunca gostei de vidas traçadas a régua e esquadro em papel milimétrico, tinha tudo decidido. Tinha um plano onde não entrava mais ninguém - depois, apareceste. Fintaste-me as decisões e instalaste-te devagarinho, como quem não quer a coisa, mas como quem também já não quer sair mais. Acreditei que não fosse por acaso: batias tão certo que parecia ser a melhor maneira possível de me desviar da rota pré-definida.
Voltava a esse início, à alegria de ter alguém novo a fazer-me tão bem. Voltava a sentar-me contigo no mesmo banco e a ficar a observar o pássaro, o mesmo pássaro de sempre ou outro qualquer, a saltitar à nossa volta. Voltava a passar horas abraçada a ti. Tentava concretizar-nos desta vez - tentava aniquilar todos os vestígios de mágoa, todas as dúvidas, toda esta necessidade de fugir.
Chegámos a um beco sem saída: eu não quero voltar para trás e tu não queres construir uma estrada nova. Uma parte de mim sonha todos os dias com um desfecho diferente, com um reencontro mais feliz, com um abraço, com um recomeço - a outra parte já se convenceu de que não te voltará a ver e chora as saudades de hoje e as de amanhã também. À medida que as horas passam, esta certeza ganha corpo na minha cabeça: acabou. E custa-me muito aceitar isso.
Por mais pessoas que conheça, sei que nenhuma será igual a ti - depois de tanto tempo, transformaste-te na minha nova bitola. Elevei a fasquia, transformei-te no mínimo aceitável, nunca menos incrível e esquisito do que tu - vais fazer-me falta para sempre. Juro que vais.
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