[somos diferentes: tu falas do amor como se fosse suposto senti-lo desde o primeiro instante, como se fosse rápido. já eu acho que o pobre só tem tão má fama porque anda de boca em boca, mal apregoado, sempre a ser confundido com a tesão. acredito-o lento. acredito-o calmo. nunca o senti por ninguém, mas tenho esta teoria de que é o primo que chega mais tarde, como forma inflacionada do carinho que existiu desde o início para que nós pudéssemos ser nós. não sei se vem depois de se extinguir o fulgor ansioso da paixão, ou se conseguem coexistir, mas espero que sim - pudesse eu e viveria apaixonada, de tão bem que me sabe esse acelerar simpático do coração.
o que sinto por ti não é amor. talvez seja precipitado falar em paixão também - lembras-te do que te disse sobre deixar as lâminas das portadas propositadamente abertas para acordar com luz no quarto? então é isso que sinto por ti: esses primeiros raios de sol que escapam entre frestas pequeninas e me fazem acordar bem disposta, num mundo que deixa de ser negro para ser de todas as cores possíveis.
é um erro comum só nos darmos conta do quanto deixámos por aproveitar quando se torna numa lembrança - se eu pudesse, recuava um mês no tempo, voltava a sentar-me ao teu lado e a entrelaçar os dedos nos teus para não te deixar partir. mostrava-te o quão grata estava por te ter na minha vida; tentei fazê-lo muitas vezes, de muitas formas diferentes, mas não foi suficiente.
somos opostos: eu sou toda coração, tu és um exército inteiro de razão. volta e meia, releio a última coisa que te disse, a maior mensagem que escrevi na minha vida: não chorei quando a escrevi, mas choro agora. estava zangada, farta de que me adiasses na esperança de que eu mudasse de ideias - foi a forma de encontrei de te dar uma última oportunidade. temos todos, sem exceção, essa mania de esticar a corda enquanto a sentimos bem presa na outra ponta. soltei-a por cansaço, não nego, e porque achei que estava na hora do vamu vê? - perdeste-me, e agora? vais lutar por mim?
agora nada. não valho a luta.
previa isto mas não deixa de me magoar, dia após dia. as palavras ora escasseiam ora se atropelam umas às outras numa onda de frustração: não entendo. por mais que tente, não sou capaz de entender.
fiz asneira, não nego. mas tu também - e, no final de contas, não consigo compreender que não vejas que somos e seremos sempre ambos falíveis. que isso é intrínseco à nossa condição de seres humanos. que não somos perfeitos, mas não faz mal - imperfeição daqui, imperfeição dali, as pessoas acertam os relógios e o passo na mesma. mas não nós. nós já não.
tenho saudades de ti todos os dias - já pensei em matar o pássaro, de uma vez por todas - mas não estaria a ser fiel a mim mesma se deixasse de escrever sobre o que sinto só por orgulho, só para que não vejas que estou a sofrer com isto.
hás de voltar àquele parque. hás de olhar para o mesmo banco e lembrar-te das horas que passámos ali - com sorte, ele vai estar lá. ele, o passarito de peito laranja, o famoso pássaro do parque - ele não te vai perguntar por mim, mas tu vais lembrar-te na mesma. vais sentir a minha falta?
espero que sim.
tanto quanto eu sinto a tua.]
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