Comecei o ano de lágrimas nos olhos e esse devia ter sido o primeiro sinal de alerta para a merda que se seguia. Vi uma das minhas pessoas definhar diante da minha negação: não queria acreditar que fosse assim tão mau, que ela estivesse assim tão doente. Não queria pensar que a podia perder. Chorei por uma dessas pessoas que criaram raízes na minha vida; chorei-lhe a pouca sorte, chorei-lhe o futuro ainda mais incerto do que os nossos. Sofri, com ele, as dores de uma vida injusta, demasiado injusta. Sofri por ele me afastar da vida dele de forma cruel. Tive um acidente de carro. Acabei nas urgências, semi nua, coberta de lama e confusa. Ainda hoje não me lembro do que me aconteceu, mas recordo-me o suficiente do despiste para continuar a sentir medo. Fui operada pela quinta vez: fiquei sem vesícula e, no dia seguinte, soube que o meu problema era mais grave do que se pensou. Passei um mês a sofrer, em silêncio, com o medo que tinha do resultado da biópsia: foi só um susto. Safei-me desta. Dei uma fujidinha até frança - a minha ansiada fujidinha até frança foi o mais amarga que poderia ter imaginado: a data da partida coincidiu com o dia em que a morte me roubou uma das minhas pessoas a escassas horas do nosso reencontro. Passei horas a chorar, sentada ao lado do caixão, e ainda hoje me custa acreditar que tenha sido real. Chorei ainda mais nos meses que se seguiram: primeiro, sempre que estava sozinha. Depois, mesmo quando estava acompanhada. Chorei a perda, chorei o desamparo. Chorei o sentimento de abandono por parte daqueles a quem tentei dar sempre o melhor de mim - chorei os medos, os traumas de um acidente que me custou a ultrapassar. Chorei outros tantos sustos, menores, na minha família. E um dia resolvi que não podia continuar - dei-me conta de que já tinha perdido 10kg e que gostava um bocadinho mais de mim, Esforcei-me por continuar. Conheci pessoas - umas fizeram-me bem, outras fizeram-me mal. A minha vida foi mais estação de comboio e menos cais. Pouco porto seguro. Fui feliz nos intervalos da dor: abracei muito. Fui abraçada. Beijei mais e descobri que gosto mais de momentos pirosos do que poderia imaginar - chorei outra perda. Agradeci por ela, mais tarde. Achei que tinha perdido alguém de vez e passei meses atrás de uma resposta. Ganhei alguém capaz de passar horas a olhar para o mar ao meu lado, sem me julgar. Decidi que não me queria apaixonar tão cedo - e também percebi que essa não é uma decisão minha. Encontrei um par de braços onde gosto de me perder durante horas; tentei fugir-lhe porque me assustei com essa ideia, porque é isso que eu sou. Mas não fugi. Descobri que já perdi 20kg e estou realmente feliz com essa mudança na minha vida - ainda não estou satisfeita, mas estou mais feliz. Acabei, finalmente, o curso e estou um passo mais perto de poder entrar em enfermagem. No último dia do ano, chegou a resposta que procurei durante meses. Regressou a voz, do outro lado da linha, que eu julguei que não voltaria a ouvir - e passou-me a raiva. Senti as lágrimas nos olhos outra vez, mas não era de tristeza. Nem de alegria. Era mais como um regresso a casa melancólico. Agradeci por isso também. À meia noite, outra voz que me transmite tanta calma quanto o abraço onde gosto de estar: trouxe essa felicidade para 2017. Esse conforto. Essa calma. Isso e o meu vestido - o tal amarelo que comprei num dos dias mais tristes da minha vida. O meu vestido amarelo sol para os dias cinzentos.
2017 vai ser bom.
Eu sei que vai.
1 comentário:
Que 2017 marque a tua vida da forma mais positiva possível :)
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