sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

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A vida mete medo às vezes: um dia acordas, olhas à tua volta e parece que a felicidade bateu a todas as portas menos à tua. Talvez seja uma ilusão, talvez aqueles sorrisos não sejam mais do que a farda do dia a dia, obrigatória para todos aqueles que não querem que se saiba que adormecem todos os dias a chorar, os que têm dívidas, os que têm saudades. Os que têm medo. Bem vistas as coisas, usas a mesma farda também: só tu sabes o que sentes.

Há dias em que parece que entraste numa espiral vertiginosa da qual não consegues sair. De acontecimento em acontecimento, os dias felizes são tão escassos que quase nem te lembras deles: e a vida mete medo nesses dias em que temes entrar no comboio errado e sair outra vez numa estação abandonada. 

Olhas para os relógios: três alinhados na parede. Três certos nas horas, nos minutos, nos segundos - três a fazer tic tac em uníssono como quem te grita aos ouvidos que o tempo não pára e que chega de indecisões. Que, de tanto esperar pelo comboio certo, daqui a nada estação fecha e não saíste do mesmo lugar: gostas de ver as pessoas a chegar e a partir. Gostas de ver os abraços fortes no reencontro, os beijos emocionados na despedida - nunca entras em comboio nenhum porque ninguém sentirá a tua falta. 

Ninguém vai ficar de lágrimas nos olhos quando partires e ninguém vai ter os braços abertos de par em par para te receber, se algum dia quiseres voltar: ficas aqui porque sentes a tua vida sem sentido, porque o que fazes nunca vale nada, porque nunca te consegues imprimir na história do mundo. Sentas-te a assistir, figurante na tua própria vida, porque achas que o mais que faças nunca valerá nada: choras a tua sorte e o teu azar. Olhas à tua volta e parecem-te todos tão felizes que não entendes o que deu errado com a tua vida.

A vida mete medo às vezes porque te dás conta do quão pequena és, de que nada te vale usares saltos altos porque nunca serás notada. Não nasceste para isso: aprendes que tens de te resignar à tua insignificância. Deixas que os medos, aqueles que trancaste no sotão, se soltem e se apoderem de ti. Já não tens nada a perder.

Na falta de sítios onde ir, ficas. Olhas à tua volta e ficas aturdida com a quantidade de pessoas, cheiros, cores e sons que existem diante de ti: mas não pertences a lado nenhum. Eles nem sabem que existes.

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