Somos feitos de histórias, mais ou menos curtas, mais ou menos importantes, mas histórias, ainda assim. Dariam um livro. Ou dois; talvez mais até. Escrever-se-iam livros sobre os dias felizes e os dias infelizes, sobre os dias mais ou menos. Sobre todas as cores, todos os sabores, todos os cheiros experimentados: somos o que vivemos, não há nada que enganar nessa estrada entre o passado e o futuro. Não podemos apagar o que fomos e ser qualquer outra coisa sem que existam resquícios do nós original.
É difícil chegar a um sítio sem o comparar com outro qualquer onde tenhamos estado antes; ou porque é mais ou menos bonito, mais ou menos seguro, mais ou menos agradável. Estamos sempre descontentes mesmo no auge do contentamento, porque queremos encontrar um equilíbrio que evitamos a todo o custo por nunca aceitarmos o presente como o é, isento de comparações, de medos, de saudades.
Este é um dos meus erros: toda a minha vida tenho saído nas estações erradas. Ando sempre com as malas atrás, demasiado pesadas para que as transporte de ânimo leve, demasiado cheias para que as queira sequer transportar. Viajo de vida em vida mas nunca fico o tempo suficiente para arrumar a minha roupa toda nos armários sequer; não gosto deste jeito nómada da alma, não gosto de não conseguir ficar em lado nenhum, mas é isto que eu sou.
Procuro os erros antigos de cada história e assento-os no meu presente; busco-os incessantemente como quem procura os indícios de um crime qualquer - encontro paralelismos mesmo onde eles não existem e choro todas as mágoas juntas, as do passado e as do presente, ainda que seja eu a escavar o mais fundo que consigo para encontrar falhas. Preciso de motivos para fugir dos sítios onde mais quero ficar porque acredito que esta seja a forma mais eficaz de não me magoar novamente. Tão errada. Tão, mas tão errada.
Quando sinto o prenúncio de uma nova partida, forma-se um nó no peito do qual nunca me consigo desembaraçar: não me é fácil gostar de alguém mas, quando gosto, gosto de corpo e alma. Entrego tudo o que tenho, ajusto a agenda mil vezes, se preciso for, para bater tudo certo, mudo tudo o que for necessário - e nenhum destes esforços me cansa, nenhum deles me melindra. Gostar de alguém é, provavelmente, o meu ponto mais fraco e, por isso mesmo, o que me deixa mais defensiva.
Hoje é outro desses dias em que tudo me soa a quase-fim e a desistência: ora porque eu estrago tudo o que me faz bem, ora porque há coisas que não fazem grande sentido. Hoje sinto-me medianamente ridícula por tudo o que tenho feito, por tudo o que tenho escrito, e com a sensação de que é tempo de arrumar as malas outra vez e sair enquanto me resta dignidade suficiente para sair pela porta da frente: são as histórias passadas que me obrigam a não tolerar algumas coisas no presente. Chamem-lhe disparate, chamem-lhe egoísmo, chamem-lhe o que quiserem: eu chamo-lhe cansaço. Estou cansada de que as coisas nunca corram bem. Estou cansada de fazer sempre asneira - e estou cansada, acima de tudo, do quão descartável e desprezível eu consigo ser.
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