Em conversa com um amigo, no segundo ano de enfermagem, contou-me que foi prejudicado no estágio porque, segundo a supervisora dele, é insensível, uma vez que reagiu de forma indiferente à morte de um doente com quem, por acaso, ele só esteve dois dias e nem sequer chegou a ver morto.
E eu vi a minha vida a andar para trás e dei por mim a questionar-me se a enfermagem seria o caminho certo para mim, ou se não valeria mais ingressar numa carreira de psicopata profissional. Aparentemente, é suposto que o nosso primeiro morto mexa connosco (ou, se tudo correr bem, que não se mexa de todo). O meu primeiro morto no hospital foi o primeiro morto que vi na minha vida: entrei no quarto e encontrei-o estendido na cama, como se estivesse a dormir. A única diferença é que não respirava - a minha reação foi mandar mensagem, às escondidas, aos meus mais próximos, no auge da emoção: até àquele momento, temia a minha própria reação ao deparar-me com a morte, e fiquei realmente orgulhosa de mim mesma por sentir que não me fez confusão nenhuma.
Todos os que se seguiram, foi igualmente pacífico e, a única múmia que fiz na minha vida foi na última meia hora de estágio, a meu pedido, perante alguma incredulidade dos enfermeiros presentes. Nem percebi o espanto - era algo que fazia parte do meu plano de estágio e que, por falta de oportunidade, eu não tinha ainda feito.
Posto isto, creio que vou passar um mau bocado quando for, finalmente, aluna de enfermagem: ou aprendo técnicas de maquilhagem perfeitas para fingir que passei a noite a chorar, ou acabo promovida à ala de psiquiatria. Como doente.
(para que conste, esta minha indiferença à morte não funciona quando é o corpo de um dos meus a estar deitado diante dos meus olhos; os nossos nunca deviam morrer.)
1 comentário:
Não acho que seja assim tão estranho... Mas acho que se fosse uma criança, ou alguém mais novo, me passava :x
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